A tristeza às 6 da tarde
Nos tempos quando eu dormia toda tarde, acontecia de acordar já com o pôr do sol, ali pelas seis ou sete, dependendo da época do ano. Levantava cambaleante, de cara amassada e demorava minutos para me localizar no espaço, no tempo e naquela definição de quem sou eu, tal qual Caio Fernando Abreu no corredor de um transatlântico em seu Sem Ana Blues, guardadas as devidas proporções (porque não havia amor perdido, era só um acordar no fim da tarde).
Meu pai, me observando nesses momentos, dizia: esse é o pior horário pra acordar. A gente fica meio besta.
Não sei se foi de tanto o pai repetir, ou se ele repetia por ser forte o sentimento, mas, hoje, percebo: o pior horário para acordar é o fim de tarde.
Não só. O fim de tarde — não o finzinho por volta das cinco, desenho da tranquilidade; mas o quase-noite, quando o céu transmuta o cor-de-rosa e desenha no horizonte uma faixa alaranjada rasgando o cinza azulado –, é o pior horário para viver.
Qualquer coisa fica mais triste por essas horas, é tudo dolorido. Pense entrar num ônibus às seis da tarde, olhar pela janela e dizer adeus. Lá longe, a noite chegando; adiante, a estrada sem fim. A dor aumenta três vezes dentro do peito. Pense acabar um livro, depois de um mês de leitura. Não há coragem que instigue a ler a última página, fechá-lo e colocá-lo num canto às seis da tarde. Fazer comida às seis da tarde não dá, passar um café não tem jeito, tudo vai cheirar saudade, tudo vai ser tristeza.
Deve haver explicação física ou astrológica. Talvez seja hora em que as partículas de passado se assentam para convidar o dia seguinte a chegar, talvez seja o momento da queda dos hormônios de felicidade no ciclo cicardiano, vai saber.
Ninguém deveria ser sozinho às seis da tarde, nem acordar ou sentir saudades. Nas outras horas a gente dá conta.
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Este texto está no meu livro, O pôr do sol dos astronautas, publicado em 2018. Para comprar, você pode acessar a Amazon e o site da editora Letramento.
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