As casas que já não somos

Carolina Bataier
2 min readOct 29, 2024

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Esta é a casa onde viveu meu bisavô.

Noite passada sonhei com a casa da minha avó, hoje habitada por minha tia. Nos últimos anos, muita coisa mudou. Instalaram ar condicionado, trocaram os pisos, ampliaram a cozinha.

Mas eu sonhei com a casa de antes, onde eu passava tardes correndo entre mangueiras. Sentada numa cadeira na varanda, minha avó cortava pedaços de goiaba, separava os bichos como se fossem sementes — não faz nada eles, dizia — e me oferecia os pedaços da fruta madura. O quadro com uma mulher vestida de noiva sobre um cavalo preto, essa obra curiosa e assustadora, estava na parede da sala. Tudo como era 30 anos atrás.

Os alicerces e as paredes ainda são os mesmos, mas essa casa não existe mais. Ainda há gramado em frente, mas as árvores são outras. Agora, temos manacá e acerola. No sonho eu pensava, com pesar: essa casa não existe mais. E, embora me divertisse por estar de volta ao lugar da minha infância, sabia que vivia ali o impossível: estar numa casa desfeita pelo tempo.

Eu morei em muitas casas e muitas delas não existem mais. Quintais, antes abertos para a calçada, ganharam muros. Pintaram paredes, trocaram janelas, cimentaram terreiros. Com essas, eu não me importo tanto. Foram casas passageiras.

Temo pela outra casa, onde hoje vive meu avô. Os móveis, quase todos, ainda são os mesmos. O vaso de copos de leite e o pé de hibisco pendendo sobre o muro do quintal, também. Em uma e outra casa, restaram os espaços vazios antes ocupados pelas minhas avós.

Todo mês, eu visito essas casas. Bebo café com meu avô, assisto à TV com minha tia. Tiro os sapatos, como a criança que fui. E como a adulta que sou, sinto a angústia de um dia não ter mais nada dessas casas. Os alicerces, no entanto, continuarão.

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Até a próxima.

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Carolina Bataier
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