As histórias que deixamos para depois

Carolina Bataier
2 min readMay 18, 2021

No começo do ano, no caminho para uma cachoeira, encontramos seu Zé Pedro sentado diante da roda d’água. Ele sorriu, parecia uma entidade. Nós seguimos a trilha.

Na volta, estava ele lá, bengala apoiada no banco e um companheiro de cada lado, papeando. Compramos doce de leite, pimenta e pastel. Antes de entrar no carro, voltei correndo. Pedi para tirar uma foto, ele assentiu com sorriso e aceno de cabeça. Comentei com quem me acompanhava: um dia quero voltar para ouvir as histórias desse homem. Atrás dele, água caindo e a roda girando.

Hoje, agorinha, ainda sem saber muito da história de seu Zé Pedro — mestre quilombola, expoente da cultura dos povos de Comunidades Tradicionais da Região Norte de Ubatuba, morador do Quilombo da Fazenda — soube que ele partiu.

A notícia me chega por numa dessas esquinas da internet e veio com a amargura das conversas que deixamos pra depois. Lembrei da foto. Lembrei também do podcast que escutei ontem, falando sobre a perda de capital humano neste momento de tantas partidas.

Pensei no quanto esse termo, capital humano, me parece ingênuo. É tecnicamente útil, deve haver muitos sentidos e justificativas atreladas a ele, mas remete às cifras. Nós, seres humanos, damos um jeito de verter tudo em cifras para encontrar algum sentido na vida que não volta.

Era mais ou menos disso que falava o podcast, do impacto das perdas humanas na economia. Deve ser esse um jeito bastante humano de desviar a atenção da realidade mais dolorosa destes tempos: nós estamos nos despedindo de histórias não contadas, não escutadas.

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