Envelheceram
Foi a primeira vez que notei.
No sítio onde cresci, havia uma estradinha de terra entre mangueiras. Pé de manga é bicho imponente. As folhas nascem marrom clarinhas e, adultas, endurecem num verde escuro envernizado. Gostosas de quebrar, fazem crec. Mangueira é árvore boa de subir, pendurar balanço e passear debaixo procurando fruta caída.
Pé de manga cumpre promessa. Floresce com pontualidade e, debaixo de chuva, faz barulho forte quando a água bate na folhagem.
Além das árvores da estradinha, tinha mais duas diante da casa. As maiores de todas. Vivi a infância entre aqueles galhos, em voos livres no balanço e quedas suaves na areia entre uma e outra mangueira.
Ainda hoje, volto para a casa da infância sempre que posso.
Foi lá, quando notei. No cantinho esquerdo, dois dedos pra cima da minha orelha, uma coisinha brilhando. Vi no espelho. Puxei. Era o meu primeiro fio de cabelo branco.
Numa tarde de sol. Fim de domingo. O caminho entre as mangueiras leva à rodovia onde o espero o ônibus. Dali, sigo rumo à segunda-feira. Carregando no bolso o primeiro fio de cabelo branco, percebi a claridade na areia da estradinha. Liguei pra minha mãe, que confirmou:
_ As mangueiras foram morrendo. Não foi a gente que cortou, não. Envelheceram.
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