Envelheceram

Carolina Bataier
2 min readSep 3, 2020

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Foi a primeira vez que notei.

No sítio onde cresci, havia uma estradinha de terra entre mangueiras. Pé de manga é bicho imponente. As folhas nascem marrom clarinhas e, adultas, endurecem num verde escuro envernizado. Gostosas de quebrar, fazem crec. Mangueira é árvore boa de subir, pendurar balanço e passear debaixo procurando fruta caída.

Pé de manga cumpre promessa. Floresce com pontualidade e, debaixo de chuva, faz barulho forte quando a água bate na folhagem.

Além das árvores da estradinha, tinha mais duas diante da casa. As maiores de todas. Vivi a infância entre aqueles galhos, em voos livres no balanço e quedas suaves na areia entre uma e outra mangueira.

Ainda hoje, volto para a casa da infância sempre que posso.

Foi lá, quando notei. No cantinho esquerdo, dois dedos pra cima da minha orelha, uma coisinha brilhando. Vi no espelho. Puxei. Era o meu primeiro fio de cabelo branco.

Numa tarde de sol. Fim de domingo. O caminho entre as mangueiras leva à rodovia onde o espero o ônibus. Dali, sigo rumo à segunda-feira. Carregando no bolso o primeiro fio de cabelo branco, percebi a claridade na areia da estradinha. Liguei pra minha mãe, que confirmou:

_ As mangueiras foram morrendo. Não foi a gente que cortou, não. Envelheceram.

***

Este texto está no meu livro, O pôr do sol dos astronautas, publicado em 2018. Para comprar, você pode acessar a Amazon e o site da editora Letramento.

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Carolina Bataier
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