João e Maria
Minha bisavó tinha a cor
das balas de café
que enrolava
com as pontas
dos dedos
no papel manteiga
e guardava num pote
perto de outros doces:
de leite, de abóbora
cocada.
As flores do vestido
de abotoar
estufavam sobre
o corpo
rechonchudo
como as rosas do jardim
gordas
coloridas
iluminadas por gotas d’água
na chuva do esguicho
da mangueira
nas manhãs
de sol.
Os gestos
pequenos
cabiam bem
na casinha de madeira
dividida com Fulano
o gato dos olhos verdes
estirado na janela da cozinha
enquanto ela remexia as panelas e
assoviava parecendo
um canarinho.
No dia do velório
Fulano deitou
de barriga para cima
debaixo das roseiras
as flores sem brilho d’água
mas ainda rechonchudas
igual minha bisavó
dormindo no caixão.
Minha mãe
na pontinha dos pés
alcançou a lata
de cima da geladeira
me deu três balas e falou
– vá lá fora brincar com o gato.
Entre as árvores,
João e maria
fizeram uma trilha
com migalhas de pão
mesmo assim
se perderam
e chegaram a uma casa
feita de doces
– a professora contou –
e eu sabia
quem morre no final
é a bruxa.
*
*A imagem que ilustra este post é uma reprodução de Rosebush, do pintor austríaco Gustav Klimt