O tempo da terra e a importância da luta
Em 2009, eu era estudante de jornalismo e estagiária num jornal diário. Fazia meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) num assentamento do MST, na região de Bauru-SP, colhendo histórias de mulheres.
Eu trabalhava de madrugada atualizando o portal de notícias, dormia de manhã e, depois do almoço, pegava um ônibus até a zona rural. Passava a tarde por lá, conversando com as mulheres.
Certa vez, fui pela manhã, logo depois de sair da redação. Cheguei ainda nas primeiras horas do dia, quando uma das minhas entrevistadas regava os pés de alface na horta. O cheiro de terra, a água fresca, a conversa debaixo do sol morno, tudo isso me dava saudades.
Passei boa parte da infância na zona rural. Meu avô trabalhava em roça, minha avó até hoje vive lá, meus pais, depois de anos de vida urbana, regressaram. Mas a saudade que eu senti quando cheguei ao assentamento, depois da noite diante do computador, não era só nostalgia da infância. Suspeito ser algo ancestral. É a saudade de estar na terra, ver a planta virar alimento e entender o tempo real das coisas. Isso está dentro da gente. A menstruação, os cabelos, as rugas: tudo obedece um tempo que não é o do relógio.
Certa vez, uma pessoa me disse: “evito comer coisas que venham embaladas”. É uma boa regra na busca pela alimentação saudável. No entanto, essa prática simples parece bastante difícil quando pensamos em nosso cotidiano. Qual é a dificuldade que você tem em conseguir alimentos frescos e saudáveis? Onde estão as feiras da sua cidade? Esse conhecimento vai além das escolhas pessoais: é direito, acesso, liberdade.
O ritmo exaustivo do mundo e todas as coisas que nos cercam — dinheiro, ego, ambições — são o modo como encontramos para nos distrair da ideia dolorosa de que estamos morrendo. Aprendi isso em um desenho animado — The Midnight Gospel. Quando superamos a dor e aceitamos que estamos morrendo, as coisas que parecem simples ganham uma importância imensa. Por exemplo: estar saudável física e mentalmente é mais importante que acumular dinheiro. Mas o mundo onde vivemos inverte essa lógica e nos diz: precisamos de dinheiro para estar saudáveis. As propagandas nos fazem crer que precisamos pagar um bom plano de saúde em vez de lutar por saúde gratuita e acessível, do prato ao hospital. Quando entramos no modo automático, a lógica do dinheiro como via de acesso à qualidade de vida parece óbvia, mas não deveria ser. Por isso, a luta pela terra é, talvez, uma das mais importante. Na verdade, ela é a luta por uma vida saudável, bem vivida, digna.
Quando cobramos de governantes o respeito e o cuidado com os povos tradicionais— indígenas e quilombolas, não estamos somente pensando em leis e garantia de direitos. Esses são os mecanismos de defesa de algo maior: a vida e seu valor imensurável, não contabilizado em cifras.
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Publiquei este texto hoje de manhã no meu Instagram. Tudo isso me ocorreu agora cedo, lendo notícias e pensando no futuro. Ainda não sei qual é o alcance das minhas palavras, mas acredito que todo espaço do qual disponho deve ser usado para a reflexão sobre este sistema tão violento com o qual lidamos todo dia. E, pensar na terra, no respeito ao tempo e à vida tem sido minha grande militância.
Esses pensamento me vieram depois de ouvir este episódio do podcast do Sesc Paraty, onde trabalho: