Procurando discos voadores
Li a carta do Dorival Caymmi para o Jorge Amado. Jorge na Inglaterra e Dorival pedindo: volte logo, tua casa é aqui. Não existe separação pior que entre amigos, passei o dia matutando.
No Youtube tocou London London e pensei que há, agora, mais semelhanças entre Paraty e Londres que entre Paraty e Bauru: céu cinza, chuva fina, bicicletas, línguas estranhas. E o fato de, em um e outro, eu cantar com verdade “eu não sou daqui, marinheiro só”. Ser forasteiro iguala muita coisa inigualável.
É 2019 e eu ainda não sei usar spotify. Mas é quase 2020 e nós ainda não sabemos usar a democracia. Certas coisas são perdoáveis.
Fiquei dias sem ler notícias, hoje li, me arrependi, pensei: talvez devesse ler mais. É bom ignorar, mas é importante vez em quando colocar os pés no chão e sentir a terra deste país “bonito e duro”, como definiu certeiro Mateus Nachtergaele na carta para Suassuna.
Essas cartas são minhas orações. A do Mateus, a do Caio para o Zézim e, agora, do Caymmi para o Jorge. Há dias não escrevia, mas ontem Gabriel mandou um trecho de um escrito dele para mim quando eu estava longe: “Enquanto nossa mesa não é servida de bebidas e palavras, meu bem, pinte seus muros por aí”.
Por enquanto, decoro a casa. Todo dia compro uma coisa nova, nem sempre importante. Ainda não tenho cadeiras, mas hoje comprei uma fruteira e deixei nela um abacate, esperando madurar. Esqueci de saber quando é época.
Tenho sentido saudades do sol, tenho escrito poesias mentais enquanto passeio de bicicleta, mas elas não saem da cabeça. A chuva enferruja minhas articulações. Sou planta solar, pensei.
Mateus escreveu uma fala de Victor: se você escrever um livro de poemas, vão te chamar de poeta para sempre. Pensei em criar uma newsletter. Vou escrever outro livro. Vão encenar a peça que escrevemos, eu queria estar no palco. Vou voltar para o teatro. Vou fazer doutorado, decidi depois de ouvir Gil cantando: determine, rapaz, onde vai ser seu curso de pós graduação.
Sou colcha de retalhos costurada de letras alheias, lembrei, enquanto recitava, mentalmente, Cora Coralina: recria tua vida, sempre, sempre.
A legenda desta foto era para ser “while my eyes go looking for flying saucers in the sky”.